sexta-feira, 16 de julho de 2010

ENTREVISTA COM A FEDERAÇÃO ANARQUISTA GAÚCHA

PROTESTO NÃO É CRIME!
ENTREVISTA COM A FEDERAÇÃO ANARQUISTA GAÚCHA

O jornal Socialismo Libertário, periódico nacional do Fórum do Anarquismo Organizado (FAO), conversou com um militante da Federação Anarquista Gaúcha, FAG, neste momento em que se aproxima a data da audiência na qual 6 militantes da organização foram intimados. Será no dia 19 de julho e contará com a presença da governadora Yeda Crusius em pessoa, fazendo a sua denúncia contra a FAG.

Socialismo Libertário:Poderíamos fazer uma pequena retrospectiva dos fatos que levaram vocês a terem a sede invadida pela polícia civil e seus militantes intimados judicialmente?

Militante Faguista: Em 21 de agosto, durante uma sinistra operação de guerra montada pela Brigada Militar no despejo da ocupação dos trabalhadores do MST na fazenda Southall, no município de São Gabriel, foi assassinado Elton Brum. O crime foi ato premeditado do Estado. O companheiro Sem Terra foi alvejado pelas costas pela polícia com disparo de calibre 12. Esse fato comoveu todo o movimento popular e sindical, direitos humanos e grupos de foro internacional. Imediatamente se organizaram caravanas solidárias para São Gabriel, a cidade onde se consumou um golpe de morte que era anunciado pelas escalada de violência do Estado contra o protesto e a pobreza. Em Porto Alegre no mesmo dia levantamos com outros setores organizados da luta um ato de solidariedade ao MST e de repúdio ao governo de Yeda Crusius e a Brigada Militar. Dessa mobilização imediata resultou a decisão da FAG de levar pra rua uma campanha de agitação denunciando o crime e responsabilizando os seus mandantes, nesse caso o chefe das operações e o governo do Estado. Pois a própria Yeda Crusius em pessoa fez uma queixa crime contra os militantes da FAG por calúnia e difamação e abriu este processo judicial que se arrasta até sabe-se lá quando.

SL:Como vocês definiriam a conjuntura para os movimentos populares no RS, nos últimos anos?

MF: Em uma análise discutida e aprovada pelo Conselho Federal da organização que recorria aos fatos repressivos e os esquemas corruptos que sucediam a leitura que fizemos era de evidências de um Estado policial com alto grau de truculência, dentro do regime democrático burguês, aos pobres e os setores organizados da luta. Vivemos a combinação explosiva de um governo corrupto até a medula, de uma oposição parlamentar rendida as cláusulas neoliberais do empréstimo do Banco Mundial e uma pauta repressiva implacável às manifestações da pobreza e do protesto social nas ruas ou no campo. Essa conjuntura ainda teve a mediação de um discurso reacionário que ganhou circulação pela mídia e pedia mão pesada contra as “desordens” que vem de baixo. Nessa produção poderosa da comunicação dominante ganhou palco e holofote o comandante da Brigada Militar Paulo Roberto Mendes que foi batizado “capitão Nascimento dos Pampas”. Paralelo ao fogo cruzado dos inquéritos, investigações e polêmicas que convulsionavam a máquina do governo e também do ajuste fiscal que desmontou com os serviços públicos e a política social, o comandante Mendes era o símbolo da ação do Estado.

Em 2008 a luta de classes no estado do RGS passou por um momento brutalmente repressivo enquanto o governo de Yeda Crusius se equilibrava na corda bamba para passar impune a fraude com dinheiro público do Departamento Estadual do Trânsito, a língua solta do vice-governador Feijó, a morte mal explicada do representante do estado em Brasília, caixa dois de campanha pra compra da mansão da governadora, etc... Como dissemos, em 2008 a mão pesada desceu o cacete. Pra lembrar melhor. Em janeiro o encontro estadual do MST em Sarandi foi cercado, paralisado e invadido por um contingente absurdo da polícia constituindo numa grave violação dos direitos democráticos. Em fevereiro uma manifestação do Encontro Latino Americano de Organizações Populares (ELAOPA) em Porto Alegre, durante conferência mundial das cidades teve que se defender da agressão policial. Em Rosário do Sul, na jornada das mulheres camponesas pelo 8 de março uma ocupação em terras da zona de fronteira que são ilegalmente invadidas pela empresa sueco-finlandesa Stora Enzo terminou reprimida selvagemente sem discriminação de crianças. Pela metade do ano mais episódios. Uma batalha em frente a um supermercado da rede Wall Mart em Porto Alegre deixou vários companheiros de mov. Sociais do campo e da cidade feridos e um em estado grave. Em Passo Fundo na ocupação da Bunge mais violência policial. Um piquete de grevistas do sindicato dos bancários em Porto Alegre foi surrado covardemente. A marcha dos sem, que todos os anos se realiza na capital do Rio Grande foi proibida de chegar perto do palácio do governo e dispersada a balas de borracha e bombas pelas forças repressivas.

Uma ação do Ministério Público estadual pediu a cabeça do MST, suspendeu as escolas itinerantes, quis por fora da lei, proibir, amordaçar, a maior força social dos oprimidos do país. A conjuntura tinha prenúncios sinistros de morte, de perda de companheiro, dada a escalada repressiva que investiu com força sobre a resistência popular. Nos bairros e vilas da periferia, nas favelas, a prisão sobretudo da juventude negra e pobre foi incorporada no aparelho como política de limpeza social. Foi assim que se fez em 21de agosto de 2009 o assassinato do trabalhador sem terra Elton Brum. Em meio a peleja histórica que faz o MST no coração do latifúndio, na “terra dos generais” chamada São Gabriel.

Pois nos parece que desse padrão repressivo intenso que resistimos agora nos sobrou a judicialização dos conflitos. É onde estamos. O governo Yeda voltou a caça as bruxas no final de mandato contra os seus opositores. Pelo menos três casos são emblemáticos desses ataques judiciais. O protesto em frente a residência da governadora organizado por sindicatos e partidos de esquerda; a campanha publicitária do fórum dos servidores públicos, liderada pelo Cpers-Sindicato contra o governo; e a propaganda da FAG denunciando os responsáveis pelo assassinato de Elton Brum. Todos chamados ao Foro Central na 6° vara criminal para responder a queixas crimes da governadora como réus.

SL: Por que, na opinião de vocês, o assassinato de Elton Brum não gerou uma onda de protesto, como costuma ocorrer nestes casos, como por exemplo, na Argentina (Dario Santillán e Maxiliano Kosteck) ou Grécia (Alexandrous Grigoropoulos)?

MF: O assassinato estava inscrito dentro de uma conjuntura mais geral onde atravessavam as lutas e mobilizações populares contra a dura política de ajuste fiscal do governo. Temos nossa própria avaliação, nossas hipóteses sobre isso. Estava formada no Rio Grande do Sul uma campanha que tinha centro na luta política contra o governo, pelo Fora Yeda, que contava como setor mais dinâmico das cidades o sindicato dos trabalhadores da educação. O governo Yeda vinha colecionando escândalos e cambaleando no fogo cruzado da crise política, com fraturas expostas na própria base. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instalada na Assembleia Legislativa do estado que deu cena ao PT e suas ambições eleitorais. O reformismo ganhou protagonismo como intermediário político da luta que se ampliava nas ruas e nos locais de trabalho do setor público. Com o tempo o parlamento e a comissão de inquérito passou a ganhar lugar mais decisivo, deslocou a ação direta popular. Esse é o primeiro elemento.

O segundo é o prejuízo que resultou a falta de independência de classe do movimento sindical, especialmente das forças organizadas na CUT, que se burocratizaram aos trâmites da CPI e os interesses evidentes do PT em sangrar o governo até as próximas eleições esvaziando a luta das ruas e ganhando protagonismo pela oposição no parlamento. Essa relação de correia da central sindical com o PT explica a ausência completa de um plano de ação contra os acordos do governo Yeda com o Banco Mundial que na Assembleia Legislativa tiveram aprovação unânime, incluso do PT e do PC do B. Pois a falta de independência de classe que nos referimos impediu que se realizassem modalidades mais fortes de ação que pudessem provocar a caída do governo.

Em terceiro, o acontecimento de São Gabriel, o assassinato de Elton Brum, elevava o grau da crise política gaúcha para uma situação em que um plano de ação direta unificado, do campo e da cidade, como por exemplo: a paralisação de todo o serviço público, piquetes nas zonas industriais ou o bloqueio de estradas e rodovias poderiam ter desestabilizado seriamente o governo do estado e mudado a correlação de forças a nosso favor.

A concepção reformista não procura decisão pela luta direta dos interessados, o que pode fugir do seu controle, mas pelos intermediários. O movimento popular e sindical é grupo de pressão enquanto os agentes parlamentares decidem e ganham os créditos.

SL: Qual tem sido o papel da imprensa gaúcha nos episódios de violência policial?

MF: Das mídias burguesas foi evidentemente de uma desinformação criminosa. Os grupos dominantes da comunicação são parte fundamental de uma estrutura de poder que pôs na agenda da política a criminalização do protesto e da pobreza.

SL:Que papel tem uma organização política anarquista num momento como este?

MF: Somos uma pequena organização dentro desse cenário, contudo fizemos nosso lugar nas lutas que fizeram pauta na sociedade. Estar junto com os que lutam deve ser um lema dos anarquistas, em qualquer lugar. Lutar contra um governo corrupto e neoliberal e defender resolutamente as liberdades públicas, apostando na força social das ruas, na ação direta popular é nossa razão de ser. É aí que se abre perspectiva libertária, que se geram relações de força para formas de poder popular contra os intermediários reformistas.

SL:Vocês têm recebido solidariedade de fora do RS, como têm sido isso?

MF: Muita, muita solidariedade. De todos os cantos do Brasil, de nossa América Latina e do Mundo. Logo depois da invasão da polícia na sede da FAG, em poucos dias, se fizeram atos solidários no Uruguai, na Argentina, na Espanha, na França, etc... Distintos grupos, organizações, militantes, meios alternativos e libertários nos fizeram chegar seu apoio. Somos muito agradecidos por todos e todas que nessa hora se moveram por essa causa.

SL:O que esperar para o dia 19 de julho?

MF: Mobilização da FAG e de todos e todas que sejam solidários, ou que façam causa comum na pauta contra a criminalização do protesto. No dia 19 de julho estaremos concentrados para um ato de protesto. Não reconhecemos a acusação de calúnia e difamação que a governadora nos imputa. Estaremos até o fim por justiça e punição dos responsáveis pelo assassinato de Elton Brum.

SL:Palavras finais?

MF: Não tá morto quem peleia!!!


Fonte: Federação Anarquista Gaúcha